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Entrando numa fria- Travessia do Parergon

Quando se é jovem não se pensa muito. A gente quer viver com a adrenalina à mil !!!


Em 1976 chegou no Rio Grande Yacht Club um barco de casco verde escuro, com mais ou menos 17 metros, doble cabine, com uma quilha corrida, pesava umas 12 toneladas, antigo, mas muito bonito. Mastro dourado, em alumínio, velas de dacron marrom escuras, deveria ter mais de15 onças de espessura, um verdadeira lona de circo e das mais fortes. O cara saiu da África do Sul até o Rio de Janeiro. Chamava-se Michel, era francês. Quando chegou no Rio de Janeiro a tripulação desembarcou e sumiu no mundo, passou um tempo e ele veio com uma tripulação de brasileiros até Rio Grande, inclusive com uma namorada brasileira. Novamente sua tripulação chegou em Rio Grande e desembarcou, sumindo no mundo. Inclusive sua namorada. Aí, o trouxa aqui, com 18 anos de idade, fez amizade com o francês, inclusive levei ele para navegar no Tahiti, que era do meu pai, pela Lagoa dos Patos. Aí ele me convidou para levar o Parergon até Montevideo. Eu achando que sabia tudo sobre as pessoas topei de cara, como já havia acontecido outras vezes sem nenhum problema. Comentei com meu pai que em seguida ficou louco comigo. Disse que eu era um anjinho, que eu tinha entrado numa fria. Eu perguntei porquê? Se o cara parecia legal, camarada. Ele me perguntou se eu tinha me dado conta que uma tripulação saiu da África do Sul, com destino a Montevideo e chegou no Rio de Janeiro e desembarcou e uma segunda tripulação, que também iria para Montevideo desembarcou em Rio Grande, inclusive a namorada, e aí o anjinho iria resolver o problema do francês? Ele disse: “- sozinho não te deixo ir com este cara, vamos juntos e levaremos nossos amigos por garantia.” Bah! Se eu disser que o francês não tinha dinheiro nem para fazer o rancho. Me parece que o pai e seus amigos fizeram uma vaquinha e colocaram a comida à bordo.

A tripulação era composta pelo Gustavo Fernandes, Ronaldo Andino, Geraldo, Wilson Diogo (o canhão), Antoninho Moreira, de São Lourenço do Sul, o pai, o francês e eu.



Quando saímos era noite, o pai preveniu que se o francês arrumasse encrenca colocaríamos ele trancado no paiol de proa até chegarmos. O primeiro teste foi na saída na bóia da ipiranga,no Porto Novo. Ele pegou no timão e ao invés de “enfilar” a próxima bóia ele se perdeu. Queríamos que ele colocasse a bóia 1 na popa e enfilasse a 17 na proa, mas ele se “embananou” todo. Então foi mais fácil, saímos na barra, o Ronaldo cujo apelido é Pinocchio, porque tem um nariz grande, não por ser mentiroso, por sinal uma bela pessoa e um “senhor” cozinheiro. Com mar e vento, para ele tá sempre bom. Fez aquela janta caprichada e seguimos viagem.

Um dos problemas enfrentados é que, de 6 em 6 horas tínhamos que colocar fluido hidráulico na reversão. Imagina a sujeira de óleo lá embaixo.

A viagem correu normal até em frente da Ilha dos Lobos. O barômetro era de gráfico e começou a cair muito. Enquanto o francês reabastecia a reversão, conversamos que seria melhor entrar para trás da Ilha Gorritis e esperar passar o tempo, já que estávamos pertinho, para depois seguir viagem. O barco, com aquela reversão e as velas velhas poderia nos deixar empenhados, falamos com ele e ele disse: “- non problema! Vamos seguir!”. Na verdade, ele tinha medo que desembarcássemos em Punta del Este e deixássemos ele na mão. Seguimos, e o pai disse: “- Aí! Vais tomar um calor!”.

Eram 22:00 horas da noite e eu estava só no leme, o francês dormia, o pai e o pessoal estavam deitados nos beliches da popa, mas até com a roupa de navegação prontinha. Tínhamos um Nordeste calmeiro e no horizonte eram raios para todos os lados. Quando desse uma acalmada no vento eu deveria chamar o pai e o pessoal, que estariam prontos. Dito e feito. O vento acalmou eu corri na popa. Chamei eles, começamos a baixar tudo. Entrou chuva e vento. Fui chamar o francês e ele me disse; “- non problema!”. Eu voltei e disse que ele não se importava, o pai disse: “- fala para ele que as velas estão se rasgando”. O francês subiu que foi uma bala, assim mesmo rasgou um pouco os panos e o francês voltou a dormir louco de tranqüilo. Passamos a noite só no motor, pendulando que nem um “João-bobo” com todo aquele peso embaixo e nenhuma vela em cima. Eu tinha terminado meu quarto de leme e fui dormir na cabine da popa com um pé esticado em um vão da cabine. Meu pai veio descansar, como estava molhado foi tirar as botas sentou no beliche e colocou as duas mãos nas botas quando estava tirando o barco deu uma “caturrada”, eu estava no beliche de boreste e ele veio que era uma bala, ia dar com a cabeça na lateral da cabine. Por sorte dele e azar meu, entrou com a cabeça na minha canela. Ele não sentiu nada, mas parecia que eu tinha quebrado a perna.

A chegada a Buceo foi maravilhosa, o barco não parava quieto. O pai disse para o francês: “- agora na entrada do porto tens que ir dando a profundidade de trinta em trinta segundos, pois o ecobatímetro fica na mesa de navegação”. Que judiação! O francês cantava lá de baixo a profundidade e assim foi até dentro do porto. O barco já estava sendo apoitado e ele seguia. Que maldade! Mas o pai disse que ele iria pagar. Fizemos a entrada na prefectura naval no clube. Fomos tomar banho e fizemos igual aos outros...”hasta la vista, baby!”. Daí eu fui direto para a casa da Mirella que ficava a cinco quadras dali. Vejam só, fiz uma viagem para a casa da noiva em um barco francês, que chique! Depois eu soube que ele foi puxar o barco e o barco sofreu um acidente e furou o casco. Tiveram que fazer uma obra grande por conta do estaleiro.

Ele passou lá um ano nesta função, depois disso soube noticias dele através de uma revista Vela e Motor, uma reportagem em que ele estava na Amazônia com um uruguaio que navegava e era músico e maestro, chamado Pipo Espera , e um boliviano, mestre em flautas andinas e outros instrumentos. Eles queriam percorrer o mundo como embaixadores da música. Não sei que fim levaram.

Sei que ele estava navegando graças às amizades que fazia e que ele, de uma forma ou de outra, ia com o barco de um lado a outro.

Assim foi que quase entrei numa fria. Se não fosse meu pai e seus amigos teria sido uma viagem bastante estressante e perigosa.

 
 
 

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