A viagem do San Nicolas
- Newton Ribeiro
- 21 de nov. de 2020
- 4 min de leitura
No inverno de 1981 esteve em Rio Grande um motorsailor, com 65 pés, argentino, que era de um casal em lua de mel, eram jovens na época com muito dinheiro. vieram de Buenos Aires até Punta del Este e passaram uma temporada. Saíram de Punta del Este para La Paloma e de lá rumaram para Rio Grande, e como de costume, pegaram uma pauleira (temporal) no oceano. Na tripulação vinha o casal e mais um velejador muito experiente, amigo de meu pai de longa data, chamado Horácio, já veterano, com setenta anos. Chegaram em Rio Grande e foram para um hotel. Tinham tudo nas mãos e disseram que iriam continuar a navegar sozinhos depois de Florianópolis, pois esta costa do Rio Grande era tenebrosa e que de floripa em diante eles iriam desfrutar o passeio e a lua de mel, pois haviam casado em Buenos Aires e saíram a velejar. O destino seria o Caribe. Como o Horacio ficaria só em mais esta etapa até Florianópolis, convidou meu pai, o Dante Vingnoli, que também era tripulante do Vagabundo(ótimo cozinheiro), e eu. Acredito que o Vagabundo foi o barco que mais cozinheiros teve: Dante Vingnoli, Ronaldo Andino Geraldo, o Joca, que era Sargento da Marinha do Brasil, e ainda outros. Até em regata tinha que ter aquela refeição preparada no capricho, sempre regada com um bom vinho.

Bem! Preparamos as coisas, meu problema sempre foram os “pilas”, desde aquela época eu ando na luta, mas antes eu tinha a cobertura do velho Romildo. Na hora da saída, quando eu estava subindo com minha bolsa de viagem pela proa, consegui falsear o pé e cair dentro d'água. Foi uma risada. Como o Dante era muito sacana, pegou um croqui e levantou a bolsa rapidamente, ficando a me “tourear” dentro d'água. Dali fui ao banheiro tomar um banho quente. Por sorte a bolsa não molhou muito e a roupa molhada coloquei junto ao motor para secar.
Saímos do clube eram mais ou menos 10:00 horas, com calmaria e chuvisco, mas com um motor Mercedes de seis cilindros, com dois comandos, é moleza navegar com chuva e vento.
Saímos na barra e toma motor. Entrou um vento nordeste calmo. Entrou a noite e a bronca se formou de nordeste, com chuva, vento e tempestade de raios. É brabo! Os argentinos costumam navegar de 100 a 200 milhas da costa. Eu acho legal, mas dependendo das condições, a 20 ou 25 milhas da costa também é bom, pois com vento de nordeste faz menos mar e menos correnteza, se navega por isobática entre 10 e 15 milhas da costa. A noite se abre um pouquinho mais e continuamos navegando sempre pela profundidade. O Horácio sendo amigo do pai, sabia que o pai tinha conhecimento da região e ficou tranqüilo. A noite estava muito escura e não se enxergava nada. O barco possuía um aparelhinho instalado na vigia que não deixava a água parada, uma espécie de “limpador de pára-brisa”, um disco com o mesmo material da vigia que girava em alta velocidade, deixando perfeita a visão. Sentado na frente daquilo, o timão interno com piloto automático e aquela parafernália de relógios, botões e luzinhas, mais parecia uma cabine de comando de um avião. Nesta parte da cabine tinha uma mesa grande e vigias imensas por toda sua extensão. Eu e o Dante, de brincadeira, quando o barco balançava, nos jogávamos de um lado para o outro que nem duas crianças, mas sempre com brincadeiras meio estúpidas de cascudos e tapas na orelha. Era uma rizada só! Tomamos conta do barco. O pai sempre falando um espanhol fluente parecia que iria gastar a língua de tanto conversar com o Horácio. Havia um navio mais para fora que era de um conhecido do pai, ele dizia que estava ventoso e que tinha bastante mar. O pai brincando com ele dizia que onde estávamos tinha pouco mar e estava bom se não fossem os raios, que ele viesse para perto de nós, que era só seguir o San Nicolas.

Andávamos a seis milhas por hora. Ao amanhecer encontramos uma canoa com um pescador, estava só, acho que procurando um bom lugar para pescar, Entramos por volta 10:00 horas em Laguna-SC. É outra barra que tem de se ter muito cuidado. Entramos com a vela grande e com motor. O dono do barco nos chamou e perguntou como estávamos, que ele estava deitado na cama de um belo hotel, dissemos que estava tudo bem, mas não falamos de que pegamos da adega de bordo os melhores vinhos que ele tinha e fizemos nossa festa particular. Quando ele soubesse já seria tarde. Fomos para o Iate Clube de Laguna. O Dante e eu tomamos um bom banho, almoçamos e regressamos para casa de ônibus. Meu pai ficou e seguiu com eles até o Rio de Janeiro, retornando quase um mês depois. Ele e o amigo Horacio tomaram ainda muitos vinhos daquela adega.

Esse meu pai era um mestre em saber viver!

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